No
ciclo regular de translocação da água em uma planta, ocorre a absorção hídrica
através do sistema radicular. O gradiente de potencial hídrico é gerado pela perda
de água nas folhas através da transpiração, fazendo com que a água seja
absorvida do solo pelas raízes, o que gera uma diferença de tensão no interior
dos vasos condutores, fazendo com que a água se movimente em direção às folhas,
ou seja, em direção à atmosfera. A transpiração das plantas é responsável por,
em média, 16% da umidade do ar, enquanto que aproximadamente 84% dessa umidade
atmosférica provém da evaporação dos oceanos (Figura 1), ou seja, nos locais
mais distantes do oceano, as plantas são as principais fontes de umidade para a
atmosfera (ZOLNERKEVIC, 2013).
Este
processo ocorre na maior parte das plantas terrestres encontradas no planeta,
entretanto, em algumas situações determinadas plantas se adaptaram às condições
climáticas de alta nebulosidade, realizando o processo inverso, transportando
água no sentido oposto, ou seja, das folhas até as raízes, fornecendo-a ao
solo, como pode ser observado na Figura 1.
Figura 1. Representação
do movimento da água nas diferentes condições topográficas (Adaptado de ZOLNERKEVIC,
2013).
ATMOSFERA
Para
que ocorra o movimento da água em direção ao solo, primeiramente é necessário
que vários fatores estejam em condições favoráveis, entre ela a atmosfera. Dado
que a absorção foliar só ocorre quando há deficiência na disponibilidade
hídrica do solo, associado com a névoa de florestas tropicais de altitude, a
incidência desse fenômeno é restrito
há algumas regiões (ELLER; LIMA; OLIVEIRA, 2013).
As
florestas tropicais de altitude, também conhecidas como florestas nebulosas, caracterizam-se
por ter frequentemente névoa recobrindo as copas das suas árvores. Essa
nebulosidade, em condições adequadas, condensa quando entra em contato com a
folha. Estas
características, tornam a atmosfera um importante fator para a absorção de água
via folhas. Segundo Eller, Lima
e Oliveira (2013), as gotículas de água podem influenciar até 42% do
teor de água da folha.
PLANTA
A
planta se encontrando em condições de nebulosidade, o movimento de água se dará
das folhas para o pecíolo, devido ao gradiente de potencial hídrico gerado pela
absorção foliar de água (GOLDSMITH, 2013). Até pouco tempo, acreditava-se que
este movimento inverso da água era impossível, devido à presença da cutícula,
fina camada impermeável que cobre a superfície das folhas, reduzindo
intensamente a perda de água, dificultando a absorção de água pelas folhas.
Contudo, pesquisas recentes revelaram que foram identificadas aproximadamente
70 espécies que são capazes de realizar a absorção foliar de água (ZOLNERKEVIC,
2013).
Recentemente
Eller, Lima e Oliveira (2013) constataram
que a água atravessa a cutícula e penetra na folha. Essa descoberta foi
feita, utilizando uma espécie lenhosa, encontrada em florestas ombrófilas,
através do uso de gotas de água contendo cristais fluorescentes pingadas sobre
folhas de casca-de-anta (Drimys
brasiliensis), em estufa. Posteriormente, demonstraram que a migração das
moléculas de água para o interior da folha ocorria porque os cristais de cera
da cutícula são estruturas complexas e dinâmicas, que têm a capacidade de se
rearranjar e modificar sua permeabilidade de acordo com a atmosfera sob a qual
a planta está exposta, em resposta às mudanças ambientais, que neste caso é a
saturação da massa de ar pelo vapor de água. As alterações na cutícula de
acordo com o ambiente podem ser observadas nas Figuras 2 e 3.
Figura 2. Diferenças
do comportamento da cutícula em ambientes com baixa ou alta umidade do ar e do
solo (Fonte: ZOLNERKEVIC, 2013).
Figura 3. Representação da absorção de água pelas folhas, em um corte transversal de uma folha C3.
Além das espécies encontradas em regiões montanhosas e com alta nebulosidade, existem outras espécies que também são capazes de realizar este transporte inverso da água. Li et al. (2014) avaliando a resposta da Tamarix ramosissima (espécie encontrada nas regiões desérticas do noroeste da China), quando exposta a uma atmosfera de alta umidade, constataram que a planta possui a capacidade de realizar a absorção foliar de água quando este órgão apresenta um baixo potencial hídrico.
Atualmente,
aceita-se que a água apresenta diferentes possibilidades de translocação dentro
da planta (Figura 4). A água movimenta-se de um local com maior potencial
hídrico (solo), para um local com menor potencial hídrico (atmosfera), este
seria o chamado movimento regular da água (Figura 4a). A situação apresentada
na Figura 4b, demonstra que o caule é a região com o menor potencial hídrico, dessa
forma, ocorre o fluxo regular da água, das raízes até o caule, em conjunto com
o fluxo inverso, onde a água adentra a folha e é transportada até o ponto de
menor potencial hídrico (caule). Quando o sistema com o menor potencial hídrico
for o solo, a água será ser transportada de forma inversa através de toda a
planta, ou seja, ocorrerá a absorção foliar e, em seguida, seu transporte
através do xilema até ser liberada no solo (Figura 4b). No solo, a água pode
percolar até um corpo hídrico próximo (lençol freático) ou permanecer
disponível para a planta, caso surja a necessidade de ser reabsorvida, o que
pode ocorrer, em caso de alteração no sentido do gradiente de potencial hídrico
(ELLER et al., 2013; GOLDSMITH, 2013).
Figura 4. Comparação
entre as diferentes possibilidades de movimentação da água no sistema
solo-planta-atmosfera (Fonte: GOLDSMITH, 2013).
SOLO
As
plantas que transportam água da atmosfera para o solo, através de suas raízes,
e também aquelas que redistribuem por meio destas segundo Neumann e Cardon
(2012), conseguem atingir grandes profundidades, minimizando a evaporação e,
portanto, disponibilizando por mais tempo água para as raízes. Este mecanismo
favorece a absorção dos nutrientes por estas plantas e contribui para
sobrevivência de organismos e microrganismos que habitam este local.
Prieto,
Armas e Pugnaire (2012) relataram em suas conclusões que os benefícios que a
planta possui são provenientes da umidade do solo, que favorece o crescimento e
o desenvolvimento radicular, a decomposição da matéria orgânica, e consequentemente
a ciclagem de nutrientes. A textura é a característica do solo que melhor indica
a quantidade de água a ser retida e dispobilizada à planta, bem como a
quantidade a ser cedida pela planta ao solo. O teor de água no solo afetará
diretamente a disponibilização e absorção de nutrientes pelas plantas.
A pesquisa de Eller, Lima e Oliveira (2013)
indica que solos secos de ambientes de floresta tropical montana nebular, devido
à baixa precipitação durante determinadas épocas do ano, induziram a D. brasilienses a se adaptar e fazer o
transporte inverso da água, quando de alta umidade no ar. Dessa forma, essa planta
contribui diretamente para a redistribuição hídrica no solo, diminuindo seu
déficit hídrico.
EFEITO AMBIENTAL DO TRANSPORTE
INVERSO
Esse
transporte de água tem a capacidade de gerar efeitos tanto sobre a própria
planta, quanto sobre o ambiente em que ela se localiza.
Um
dos efeitos estudados, na Serra da Mantiqueira (SP) foi a formação de
nascentes, onde alguns pesquisadores observaram a existência de um riacho que
nascia a cerca de 2 mil metros de altitude, onde se localizavam árvores
características dessa região, sendo elas de pequeno porte e com as folhas
pequenas. Essa vegetação tem a capacidade de reter a umidade através da condensação
do vapor d’água em suas folhas e do seu escorrimento para o solo, sendo que 30%
do volume dos rios dessa região são abastecidos desta forma. Entretanto, foi
descoberto que parte dessa água da neblina retorna ao solo por dentro das
árvores, de modo que, estudos comprovaram que as plantas desses locais têm a
capacidade de absorver a água da superfície foliar, processo que ocorre da
forma que foi discutida anteriormente (ZOLNERKEVIC, 2013).
CONCLUSÕES
Com
base em todas as informações estudadas, podemos concluir que o principal fator
que possibilita o transporte inverso da água, é o gradiente de potencial
hídrico existente entre o sistema solo-planta-atmosfera, sendo que a atmosfera
deve possuir condição de nebulosidade ou saturação de umidade, e o solo
apresentar déficit hídrico, por falta de precipitação.
Observamos
também que a morfologia e fisiologia de tais plantas, foram se adaptando para
manter sua sobrevivência em condições de falta de água no solo, disponibilizando
água para este, favorecendo a biota local e influenciando positivamente o
regime dos cursos hídricos.
REFERÊNCIAS
ELLER,
C.B.; LIMA, A.L.; OLIVEIRA, R.S. Foliar uptake of fog water and transport
belowground alleviates drought effects in the cloud forest tree species, Drimys brasiliensis (Winteraceae). New Phytologist, Cambridge, v. 199, n.
1, p. 151–162, jul. 2013.
GOLDSMITH,
G. R. Changing directions: the atmosphere–plant–soil continuum. New Phytologist, Cambridge, v. 199, n.
1, p. 4–6, jul. 2013.
LI, S.; XIAO, H.; ZHAO, L.; ZHOU, M.; WANG, F. Foliar
Water Uptake of Tamarix ramosissima
from an Atmosphere of High Humidity. The
Scientific World Journal, v. 2014, 10 p, 2014.
NEUMANN, R.B.;
CARDON, Z.G. The magnitude of hydraulic redistribution by plant roots: a review
and synthesis of empirical and modeling studies. New Phytologist, Cambridge, v. 194, n. 2, p. 337–352, abr. 2012.
PRIETO,
I.; ARMAS, C.; PUGNAIRE, F. I. Water release through plant roots: new insights
into its consequences at the plant and ecosystem level. New Phytologist,
Cambridge, v. 193, n. 4, p. 830–841, mar. 2012.
ZOLNERKEVIC,
I. Caminho Inverso. Pesquisa FAPESP,
São Paulo, ed. 208, jun. 2013.
AUTORES: Jessé Neves dos Santos, Luane Bosetto e Luiza Konrad Zastrutzki.
ORIENTAÇÃO: Silvana Ohse.
AUTORES: Jessé Neves dos Santos, Luane Bosetto e Luiza Konrad Zastrutzki.
ORIENTAÇÃO: Silvana Ohse.
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